Donizete Beck
É muito difícil a sua definição: Socialismo Democrático. Pesquisadores, cientistas sociais, especialistas, cientistas políticos, internacionalistas, a saber, os acadêmicos em gera têm sérias discordâncias quanto a definição do termo. Enquanto alguns social-democratas se dizem socialistas democráticos outros renegam essa questão. Mas, existem algumas características que são observadas nos que se afirmam socialistas democráticos que são muito parecidas com a posição dos social-democratas. Às vezes, de modo um pouco grosseiro, parece que a posição é a mesma, entretanto, o que muda é a forma de classificação. Afinal, quais são as posições dos socialistas democráticos?
No que se refere à administração pública e à economia, a descentralização do poder para o ente menor que tenha a possibilidade de cumprir a realização de determinada necessidade. Para isso, há a participação (entende-se de forma inclusiva no processo político e decisório no governo e na administração pública) da sociedade civil. Por exemplo, os movimentos populares estão incluídos nesse processo. A autogestão operária e a democracia industrial são exemplos de participação da ‘parte mais fraca, sensível e vulnerável’ da sociedade.
O Estado de Bem-Estar Social é amplamente defendido pelos socialistas democráticos da mesma forma que é defendido pelos social-democratas. Alguns exemplos disso são: Comunidade Solidária (distribuição de cestas de alimentos para os mais necessitados), Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Bolsa Escola (estimular a matrícula escolar de jovens de famílias pobres), Programa de Garantia de Renda Mínima, Programa de Bolsa Alimentação (complementação da renda de mães gestantes), Programa Auxílio-Gás, Projeto Alvorada. Todos na gestão tucana do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Além do mais, em 2001 houve a “unificação dos cadastros dos Programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação” pelo Cadastro Único dos Programas Sociais (CadUnico).
No mesmo ano, houve a criação do Bolsa Renda, que “durante a seca de 2001, no lugar de criar as famosas “frentes de trabalho”, o governo atuou por meio da transferência direta de renda monetária às famílias.” (PSDB, 2013). Sem contar os benefícios da instituição do “Cartão Cidadão”, um golpe contra o clientelismo que vigorava nas políticas sociais. Em 2004, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou o Programa Bolsa Família que unificou quatros programas criados pela gestão tucana: O Bolsa escola, o bolsa família, o auxílio gás e as transferências do PETI. Esses são alguns dos exemplos de políticas públicas e sociais amplamente defendidas pelos socialistas democráticos.
No exterior, existem alguns exemplos importantes. Na Inglaterra, o Partido Trabalhista tem a ala do socialismo democrático, a Fabian Society (i.e. a Sociedade Fabiana). Ela está na vanguarda no desenvolvimento das ideias políticas e políticas públicas defendidas pela esquerda. Deu apoio aos governos Blair e Brown e também foi um “motor” quanto a modernização do Partido Trabalhista Inglês (Labour Party) pelo movimento conhecido como a ‘terceira via’ britânica. Os fabianos afirmam que procuram promover: uma maior igualdade de poder, riqueza e oportunidade; o valor da ação coletiva e do serviço público; uma democracia ativa, tolerante e responsável; cidadania, liberdade e direitos humanos; desenvolvimento sustentável; cooperação internacional multilateral. Importantíssimo é a recusa da revolução para a instauração do socialismo. Defende-se meios reformistas ou evolucionistas para isso, por isso que se diz “democrático”. Não é só isso, na aplicação de políticas públicas, nos tratados com a economia, com a orçamentação pública e em outros diversos campos, os socialistas democráticos não se contentam em apenas procurar saber a opinião pública, mas incentivar a participação ativa da população e da sociedade civil em todo o processo. Na economia, por exemplo, aceita-se a existência de certa forma de mercado regulado e humanizado.
François Mitterrand, Bernie Sanders, Ricardo Lagos, Tabaré Vázquez, Nelson Mandela, Michelle Bachelet, Mário Soares, Léon Blum, José Mujica, George Orwell, dentre outros, são exemplos de personalidades políticas que são socialistas democráticos durante esses dois últimos séculos. Uma grande diferença entre àqueles que se dizem socialistas democráticos dos social-democratas é que os primeiros têm maior ênfase na rejeição dos meios capitalistas de produção (e.g. livre mercado, ausência de regulação e de quaisquer intervenções estatais), entretanto, não pregam a mudança imediata e radical para o socialismo, crê-se na evolução paulatina para esse último sistema.
Old Labour e New Labour: uma questão! Eles podem estar em ambos os lados. Os socialistas democráticos são considerados como novos trabalhistas (i.e. new labour), por exemplo, a sociedade fabiana tem como seus membros socialistas democráticos e sociais democratas. Ressaltam que as mudanças para erguer uma sociedade socialista e mais igualitária, não deve ser por meio de revolução, mas de forma gradual, assim, respeita-se a democracia liberal, as instituições existentes e procura transformar a sociedade pelos mecanismos legais, e.g. a criação de sistema universal de saúde e a defesa do sufrágio universal. Propostas de leis, participação da sociedade, consultas, organizações sociais e outros mecanismos são fortalecidos e amplamente defendidos pelos socialistas democráticos. Aceita-se, por exemplo, que haja uma sociedade com livre-mercado, entretanto, que seja regulada, contra abusos de poder econômico, que defenda os mais vulneráveis e que seja mais humana. Condena-se os abusos cometidos por capitalistas contra os trabalhadores e promove-se a melhoria do ambiente laboral e do próprio trabalho, para que o trabalhador viva com bem-estar.
O socialismo democrático difere da social-democracia, na forma em que se observa o sistema capitalista. Ele pode ser melhorado, ou, não há negociação, ele deve ser extinto? O problema é que alguns socialistas democráticos têm dificuldade de afirmar que o capitalismo pode ser melhorado, porque há uma certa “amargura” para com o capitalismo. O capitalismo aqui referido é quanto à questão da existência de uma sociedade de livre-mercado. O livre-mercado até certo ponto é tolerado, entretanto, não é algo que os socialistas democráticos têm certa simpatia, pelo contrário, há apenas – tolerância. Por que tolerado? Porque acredita-se que mudanças poderão ser feitas na sociedade para a transformação em uma sociedade mais humana e igualitária conforme revisionismo (ou reformismo) visto no parágrafo anterior.
Boa parte dos socialistas democráticos acredita na luta de classes, não é regra! Por outro lado, os sociais democratas não acreditam na luta de classes, não tem uma visão marxista da sociedade, o contrário dos socialistas democráticos. Essa diferença é a mais visível entre a social-democracia e o socialismo democrático.
Autores como Bernstein se confunde, tanto por ser considerado socialista democrático quanto social-democrata. é que há um grau menor na aceitação dos meios capitalistas de produção. A saber, grande parte dos autores que inspiram os socialistas democráticos e social democratas são os mesmos.
O socialismo democrático se caracteriza pela participação da sociedade civil na formulação das políticas públicas, pela autogestão dos trabalhadores nas empresas, pela alta relevância do Estado de Bem-Estar Social (i.e. Welfare State). Para estabelecer uma sociedade socialista, propõe-se a reforma e revisão das instituições, de modo democrático e gradual. Existe certa tolerância ao sistema capitalista de produção, entretanto, ele não é desejado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BERNSTEIN, Eduard. Socialismo Evolucionário. Tradução de Manuel Teles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Editora: Instituto Teotônio Vilela, 1997.
CHÂTELET, François. História das ideias políticas. Tradução de Carlos N. Coutinho – 2.ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
EDELSTEIN, J. David. Social Democracy versus Revolutionary Democratic Socialism. New York: The Socialist Institute, 1990. Disponível em: <https://chisocialistpartydotorg.files.wordpress.com/…> Acesso em 12 jan 2017
FABIAN SOCIETY. About. 2017. Disponível em: < http://www.fabians.org.uk/about/> Acesso em 18 jan 2017
FABIAN SOCIETY. The Fabian Story. 2017. Disponível em: <http://www.fabians.org.uk/about/the…> Acesso em 16 jan 2017
PSDB. Políticas Sociais no Brasil: pequena história dos programas de transferência de renda. 2013. Disponível em: <http://www.psdb.org.br/politicas-so…> Acesso em 16 jan 2017
TEMPLE, Michael. New Labour’s Third Way: pragmatism and governance. Em: British Journal of Politics and International Relations, vol. 2, No. 3, Outubro de 2000, pp. 302-235
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